O ano era 2002... Estávamos um pouco agitados na redação de O Norte, maior jornal de João Pessoa àquela época. Dali a pouco sairia a resposta da superintendência se iríamos pegar a estrada rumo a Cajazeiras. A justificativa na OV ("ordem de viagem") era uma final de Campeonato Paraibano pouc habitual, e que poderia ser decidida num WO.
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Seria histórico, claro. Já tínhamos a informação que o Campinense não seguiria para o jogo contra o Atlético-PB. Ainda assim, uma viagem para Cajazeiras extrapolaria o orçamento da empresa - afinal, ninguém previa a final do estadual de 2002 no Sertão. E, cá para nós, não era comum pegar a estrada, pagar hotel, despesas de alimentação, diárias, etc. Por isso, ninguém sabia ao certo se o pedido seria aprovado.
Enfim, veio a resposta: APROVADO.
Não deu para segurar o soco no ar, tal qual Pelé. Iríamos para Cajazeiras: eu, editor de esportes de O Norte; o repórter fotográfico Francisco França; o editor de esportes do Diário da Borborema, Leonardo Alves; e o motorista Anselmo, mais conhecido como Sheba.
A caminho do Sertão
Saímos às 23 horas. Fazia frio em João Pessoa, o que me fez adotar um figurino pouco usual para quem iria desembarcar no Sertão: camisa de mangas compridas. O que provocou um comentário malicioso de Chico França logo que subi ao carro.
- Você pensa que está indo pra onde? - disse, com o conhecimento sertanejo de quem nasceu e viveu boa parte da vida em Patos.
Passamos por Campina, para pegar o Léo Alves. Ali estava ainda mais frio, especialmente castigado pela madrugada da serra. Tive a sensação de vitória sobre o comentário do fotógrafo.
Dali em diante, era estrada. Seriam cinco ou seis horas até chegar a Cajazeiras. Como o hotel estava reservado para o meio-dia, não havia pressa para chegar lá. Tínhamos o sábado, véspera do jogo, para curtir a viagem. Paramos em Coremas. Foi a primeira vez que vi um açude da dimensão do Coremas-Mãe D'Água. Fiquei deslumbrado. Parecia um mar no Sertão - quem ainda não teve a oportunidade de ver de perto, eu recomendo.
Impressionante o que a água faz com a paisagem sertaneja. De quilômetros a fio vendo a seca que castigava as margens da BR-230, a um verde que parecia banhado por um oásis. Impossível não ficar um pouco mais na cidade...
Mas a missão era cobrir a final do Campeonato Paraibano. Passamos por Patos, Pombal, Sousa... Aliás, almoçamos na terra dos dinossauros. Era a última parada antes do destino final.
Chegamos a Cajazeiras. O ar-condicionado do carro mantinha a minha condição de agasalhado intacta. Ao abrir a porta, fomos baforados pelo calor típico do Sertão. Não era um quente qualquer.
Era insuportável mesmo para quem vinha da capital. O velho Chico França tinha razão, o que ele fazia questão de denunciar com o sorrisinho de canto de boca. Algo como quem quisesse dizer: "Não falei?".
Para entender 2002...
De roupas apropriadas após um banho, começamos a trabalhar.
A primeira parte era visitar a concentração do Atlético-PB. Dali sairia o campeão paraibano daquele ano numa reviravolta improvável do campeonato. Era salutar saber como se deu esse processo com os personagens que faziam o clube.
Só recapitulando: o Campeonato Paraibano de 2002 teve um dos regulamentos mais confusos da história. Eram 15 times, mas Botafogo-PB e Treze (que jogavam a Copa do Nordeste naquele ano) só entravam na fase final, o Hexagonal Decisivo. Os outros quatro times para essa etapa final sairiam de uma primeira fase que era dividida em grupos do Litoral (América de Caaporã, Auto Esporte, Miramar e Santa Cruz-PB), Agreste (Campinense, Guarabira, Perilima, Serrano-PB e Vila Branca) e Sertão (Atlético-PB, Esporte de Patos, Nacional de Patos e Sousa).
Estádio Perpetão em 2002 — Foto: Reprodução / TV Cabo Branco
Vice-líder do Grupo do Sertão, o Atlético-PB encarou o Auto Esporte, terceiro do Litoral, por uma vaga na semifinal. Na prática, uma vaga no Hexagonal, já que os quatro classificados do mata-mata já estariam na decisão com Botafogo-PB e Treze. O Atlético-PB passou com um empate (2 a 2, em João Pessoa) e uma vitória (2 a 1, em Cajazeiras).
As aberrações do regulamento começavam aí. Com os quatro times classificados já garantidos no Hexagonal (além do Atlético-PB, passaram ainda Campinense, Serrano-PB e Sousa), a fórmula previa que se jogassem as semifinais e finais da primeira fase até se conhecer o campeão. Um título simbólico, já que não daria vantagem alguma para a fase final, onde todos começariam zerados.
Time do Atlético de Cajazeiras venceu cinco jogos no Hexagonal Final de 2002 — Foto: Reprodução / TV Cabo Branco
O Atlético-PB jogou com o Campinense. Perdeu por 4 a 1 em Campina Grande, o que praticamente inviabilizaria a classificação no jogo de volta. Para piorar, havia perdido o mando de campo numa decisão polêmica do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD-PB), na época estranhamente alinhado com a Federação Paraibana de Futebol (FPF), comandada por Rosilene Gomes. O jogo da volta passou para João Pessoa, o que não foi aceito pelos sertanejos. Resultado: o Campinense compareceu e ganhou por WO.
Idas e vindas com a FPF
Politicamente, o Atlético-PB não era alinhado com a Federação. E o relacionamento piorou de vez com o WO, que, na opinião de Rosilene, manchava o campeonato. Dirigido pelo Padre Francivaldo, que não fazia questão de demonstrar a sua oposição à gestão da FPF, o clube reclamava rotineiramente das decisões administrativas - fossem da Federação ou do TJD-PB.
Classificado para o Hexagonal, já que o WO não implicava em maiores sansões, o Atlético-PB acompanhou com indignação a tabela divulgada pela Federação. Dos cinco primeiros jogos, quatro deles seriam fora de casa. O único como mandante, pasmem, era para cumprir um último jogo de punição do Tribunal e seria jogado em Patos. Ainda assim, o time fechou os jogos de ida com 7 pontos (2 vitórias, 1 empate e 2 derrotas). Para desespero da FPF, o desafeto estava na briga pelo título. Afinal, a situação agora se invertera, e dos cinco jogos restantes, quatro seriam em casa.
O desgaste com a Federação, no entanto, acabou fazendo o Padre Francivaldo renunciar à presidência do Atlético de Cajazeiras. Em seu lugar assumiu uma Junta Governativa, comandada pelo treinador do time na época, Tassiano Gadelha. O relacionamento com a Federação, então, mudou da água para o vinho. E Rosilene Gomes passou a dar declarações públicas elogiando a nova administração do clube e mostrando simpatia com a possibilidade de mais um sertanejo conquistar o título paraibano, repetindo a façanha do Sousa, oito anos antes.
Era justamente essas idas e vindas no relacionamento com a Federação que eu queria me aprofundar visitando a concentração do Atlético-PB. Fomos muito bem recebidos. Ao contrário do que se podia imaginar com o iminente WO, o clima era mesmo de decisão. Todos estavam preparados para o Campinense mudar de ideia e comparecer ao Perpetão no dia seguinte.
Por que o Campinense não jogaria?
Como disse antes, todos nós já sabíamos que não haveria jogo. Para o Campinense, não valia nada. E ainda tinha a possibilidade de, empatando ou ganhando do Atlético-PB, dar o título estadual de bandeja para Treze ou Botafogo-PB, que jogariam no mesmo dia em Campina Grande. Os próprios torcedores da Raposa pediam para a equipe não ir a campo e deixar o Trovão Azul comemorar um título inédito.
Mas a diretoria do Campinense segurou a informação oficial de que não viajaria. Na prática, estava mais preocupado com a seletiva da Copa do Nordeste, que daria uma vaga no torneio regional do ano seguinte. Havia jogado em Caruaru dois dias antes da data marcada para enfrentar o Atlético-PB (derrota por 2 a 1 para o Central) e tinha uma decisão prevista para a quarta-feira seguinte, três dias depois da última rodada do Campeonato Paraibano. Precisaria vencer o Itabaiana, em Sergipe, para se classificar à próxima fase da Segundona do Nordestão.
Oficialmente, o Campinense propôs o adiamento do jogo contra o Atlético-PB, o que não foi aceito pela FPF - na época, é bom lembrar, as federações não estavam alinhadas com a disputa regional, que não era reconhecida pela CBF. Assim, com a Raposa justificando "interesse maior" no jogo contra o Itabaiana, era certo que o time não viajaria para o Sertão.
Mas a confirmação oficial não veio. E amanhecemos o domingo em Cajazeiras preparados para tudo. Ter ou não o jogo. Na concentração do Atlético-PB, a tese era a das mais incoerentes: o Campinense passaria por Cajazeiras a caminho de Itabaiana. E isso virou verdade absoluta na cidade. Ninguém se deu sequer o trabalho de ver no mapa a localização geográfica das duas cidades: o Sertão estava longe de ser uma parada obrigatória para quem ia com destino a Sergipe.
Aproveitamos a passagem para fazer registros fotográficos de tudo. Aquelas fotinhas 3x4 de todos os jogadores que emoldurariam a sessão "Heróis do Título" que estava preparada no jornal O Norte. Havia ainda a foto oficial do elenco, o poster que ficaria para a posteridade. Mesmo que, para isso, fosse dito que estávamos fazendo o mesmo com Botafogo-PB e Treze, os outros dois postulantes ao título - o que não era verdade, claro.
Enfim, a decisão (que não teve)
Chegamos no estádio por volta das 13 horas. Havia mais três horas de espera. As arquibancadas do Perpetão estavam abarrotadas. Ninguém sabia ao certo quantos ingressos foram vendidos. Pessoalmente, vi muita gente entrar a rodo. Deram carteirada até de coroinha da igreja.
Políticos, então... Aí era uma festa! Praticamente todos os representantes do Sertão estavam lá para "apadrinhar" o futuro campeão paraibano. Deputados estaduais, federais... O ex-governador Wílson Braga, na época um dos caciques da política paraibana, era o mais popular de todos.
Fez questão de entrar no gramado, minutos antes da hora marcada. Não é preciso dizer que era acompanhado por dezenas de "assessores". Havia também muitos torcedores. A decisão estava muito mais para um comício ou uma quermesse, tão populares no Sertão, do que propriamente para os protocolos de um jogo decisivo. Vamos lembrar que 2002 era ano de eleições...
No meio desse burburinho todo, chegava a hora da partida. Nada do Campinense, claro. Mas, à beira do campo, uma imagem chamava a atenção: havia duas taças. E ambas com o status de oficial. Uma da FPF, prontinha para ser entregue; a outra da Prefeitura de Cajazeiras, sabe-se lá por quais razões estava ali para agraciar o Atlético-PB.
O tempo passava. A arbitragem tentava, em vão, tirar as pessoas do gramado. Quem vê hoje em dia a limitação do trabalho dos repórteres sequer imagina o que era aquele domingo de sol em Cajazeiras. Além das comitivas políticas, havia outras dezenas de profissionais em cada canto do gramado. Gravadores em punho, cada um deles fazia a matéria que lhe conviesse. Escolhia um personagem e apertava o REC...
O elenco campeão de 2002, do livro "Atlético de Cajazeiras - 70 anos de História", de Reudesman Lopes — Foto: Reudesman Lopes/Divulgação
O Atlético-PB já estava em campo. E praticamente todos os jogadores foram requisitados para entrevistas. Relembrando a cena hoje em dia, não sei para onde foram gravados tantos depoimentos. Não havia blogs na época. Mas praticamente todas as rádios do Sertão estavam lá.
Já eram passados dez minutos da hora marcada para o jogo. O juiz toma a decisão: esperaria mais trinta minutos. E, se o Campinense não chegasse, declararia o WO.
Mais espera, mais entrevistas, mais políticos roubando a cena... A tese da "passagem obrigatória para Itabaiana" ainda estava presente. As informações vinham a todo instante de Campina Grande: "O Campinense já saiu e chega a qualquer momento".
Era o Campinense? Não, claro que não!
Para quem não conhece, o Estádio Perpetão fica às margens da BR-230. De onde estávamos, dava para ver o tráfego na rodovia. Que, por sinal, estava bem parada naquele domingo, 28 de julho de 2002.
Atlético-PB, Campeonato Paraibano 2002, Atlético-PB campeão, — Foto: Redeusman Lopes / Atlético-PB
JJá passávamos dos 30 minutos regulamentares. Mas a informação de que "o Campinense chegaria a qualquer momento" fez a arbitragem prolongar a espera. Não era só uma questão de bom senso. A FPF não queria ver um novo WO no seu campeonato, ainda mais decidindo o título. Seria uma terrível repercussão negativa. A cúpula da FPF, tentava, em vão, saber onde estava o Campinense. Esperaria o tempo que fosse necessário para ter jogo.
De fato, o ônibus rubro-negro havia partido. Mas para Itabaiana. Pegando a BR-101 Sul. Sentido totalmente oposto ao do Sertão.
Sem adversário, o jeito foi encerrar a partida. O apito do árbitro foi a senha para a festa que tomou conta de Cajazeiras nas horas seguintes.
As duas taças (sim, as duas) foram levantadas pelo capitão Wellington. Tassiano Gadelha, o técnico-presidente, era o mais procurado pelos microfones. Eduardo Silvestre, o fiel escudeiro, também era muito popular entre os repórteres. Muitos creditavam à dupla a mudança no tratamento com a Federação Paraibana de Futebol. E, nos bastidores, como fizeram de um time apenas limitado, campeão estadual de 2002.
Não ficamos para a festa. Pegamos a estrada de volta, repetindo o itinerário na ordem inversa. Cajazeiras, Sousa, Pombal, Patos... Dessa vez não paramos em Coremas. Queríamos chegar logo em casa, ávidos por botar tudo no papel.
2002, um ano que nunca acabou
Ainda não sabíamos que o Botafogo-PB iria recorrer ao TJD-PB alegando que o Atlético-PB tinha escalado um jogador irregular (o goleiro Alonso) em alguns jogos daquele Hexagonal. Também não tínhamos ideia que, quase duas décadas depois, o Paraibano de 2002 ainda renderia polêmicas por causa disso.
Festa na cidade de Cajazeiras com o título do Atlético-PB em 2002 — Foto: Reprodução / TV Cabo Branco
A FPF nunca proclamou o Belo campeão, como pedia o TJD-PB. Ao Atlético-PB couberam os louros da mais longa final de que se teve notícia do Campeonato Paraibano.
Chegamos ao fim da jornada. Não só O Norte, mas todos os jornais da época, estamparam em manchetes garrafais o título atleticano.
FICHA TÉCNICA
Atlético-PB WO x Campinense
Data: 28 de julho de 2002
Local: Estádio Perpetão (Cajazeiras)
Arbitragem: Genival Batista Júnior, auxiliado por Paulo Roberto e Miguel Félix
Atlético-PB: Andreon, Alves, Adriano, Zé Antonio e Rinaldo; Naldo, Nildo, Arnaldo e Kaká; Nino Baiano e Magno. Técnico: Tassiano Gadelha
* O Campinense não compareceu e o Atlético-PB foi declarado vencedor da partida por 1 a 0.
Globo Esporte-Expedito Madruga
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